Afiando os braços para o recorde.

Na foto ao lado André Nardelli e família, na rampa. Abaixo, o relato do vôo de 209,9 km, realizado uma semana antes da quebra do recorde, quando já estava cheio de más intenções e afiava os braços para o que viria a seguir. "Foi mais ou menos assim: Tufão na decolagem e só eu de piloto com um cabo apenas ... quase fui cuspido p/ trás da rampa antes da hora, mas numa merrecada consegui decolar! merrecada? a asa foi subindo e indo p/ trás ... estica mais ... pica ... ufffa ... nisso vi que acabara que chegar o Bruno p/ voar (putz, 1 minuto antes e ele teria me ajudado a decolar de uma maneira menos imprudente) ... fui obrigado a "emprestar" o resgate p/ ele ter pelo menos dois cabos! (o ideal eram 3) Eu tava tão focado em fazer um cross p/ Itaberaí que não percebi que a previsão de E e E/NE no fim do dia estava totalmente furada! Resultado, fui p/ passaporte, levei porrada de tudo que é jeito, afundei tudo e quase fico sem pouso no meio da turbulência. Ali, tava era quase sul ... e forte ... descobri da pior maneira possível!!! Voltei mau-humorado, assustado e suado p/ rampa e já fui logo falando no rádio que iria pousar no boteco da Lagoa do Jacuba (prox. Agua Fria), tomar um banho e encher a cara ... mas como piloto já é mentiroso em terra firme, lá em cima então que não dá p/ confiar mesmo ... passou o susto, esfriou um pouquinho e rapidinho mudei de idéia e peguei gosto pelo vôo novamente. Nisso foi quase uma hora jogada fora, p/ quem queria ir longe era um tiro no próprio pé! (13h e ainda tava na rampa ...) Era um dia de muito azul e as poucas nuvens estavam sempre na robada ... passei por Córrego Rico e fiquei baixo logo após ... lembrei do "talco" que é a estrada lá e acabei dando um jeito de subir ... nisso o Bruno desiste de voar e libera o resgate. Só lembro de pedir p/ Leo acelerar bastante pois eu iria cortar caminho pelas terras de malboro e ele já estava muito p/ trás. Ganhei bastante altura e atravessei com certa tranquilidade a serrinha sem precisar dar a tradicional e única volta por Mato Seco ... não sei de onde o google earth tirou que existe outra estrada ... não existe ... é só robada!!! Nisso o rádio já começava a dar sinais de que não seria um vôo daqueles tranquilos, com resgate por perto, etc. ... eu ouvia relativamente bem mas o carro reclamava que chegava tudo muito falhado, repete, etc. Quando estava já alto antes de Pe. Bernardo consegui um contato legal com o rádio ... mas nem foi tão legal assim: o pneu furou e o estepe, comprado de última hora no borracheiro da esquina, estava vazio! (obrigado ladrõeszinhos de estepe de caminhonete). Nem o compressor desses de camelô que liga no isqueiro do carro resolveu ... o bico estava estragado e não segurava ar muito tempo ... ia ser uma longa viagem até o prox. vilarejo ... só deu p/ falar p/ Leo não forçar a barra e se fosse o caso pegar uma carona e voltar depois, etc. ... tava sozinho de novo!!! Mais tarde ouvi no rádio que um caminhoneiro parou e indicou uma borracharia a uns 6km mais p/ frente e 1km fora da estrada que ninguem conhecia ... não é que existia mesmo ... foi a salvação da pátria ... (obrigado Senhor). Não consegui falar, mas pelo menos sabia que o problema do carro já estava encaminhado! Daí p/ frente nem ouvir mais conseguia ... então aproveitei p/ esquecer a rodovia, e voar onde eu achava que a condição estava melhor! (como se eu voasse na rodovia normalmente ... rsrsrs) Por ironia do destino aonde estava mais fácil (uma fogueira gigantesca, aliás um área enorme pegando fogo, eram várias fogueiras) foi onde fiquei mais baixo ... dispensei a primeira porque queria no mínimo um +5 ... e acabei foi despencando de vez sem que o canhão me pegasse ... apesar de estar voando no meio da fumaça e com fogo em baixo!!! Isso era bem a direita de 2 irmãos e a região me lembrou muito os vales europeus ... tava lindo, legal, diferente ... mas pô ... é longe de tudo e preciso subir caramba! Já que seguir a fumaça não estava dando muito certo, resolvi fingir que não tinha fogo em baixo e procurei no relevo onde seria o gatilho em situações normais com aquele vento ... não é que deu certo, subi rápido e coloquei a maior altitude do vôo todo! Toquei p/ Barro Alto na certeza que dessa vez chegaria (já morri na praia ali algumas vezes)... Não é que cheguei ... e agora? esse era o último ponto que eu tinha gravado ... sem ajuda de gps e já cabeção do vôo, comecei a "viajar" e confundi a estrada que eu estava com a de Niquelândia que eu lembrava (pelos mapas) que ia voltando e era robada! Nisso vi uns floquinhos estavam na direção do poente e acabei tomando coragem p/ atravessar os morros de Barro Alto ... no fundo eu já sabia que tava fazendo besteira, mas não enxergava direito por causa da sujeira no ar e sol na lata ... quando deu p/ ver o que tinha do outro lado aí sim tive certeza que tinha feito mer#% ... e já não dava mais p/ voltar ... era só estradinha sem vergonha e nada por perto ... ainda passei em cima de um vilarejo cuja estrada era na perpendicular e não ajudava muito ... paciência ... o jeito era continuar voando que uma hora chegaria na belém-brasília! Só que não cheguei e ainda fiquei baixo mais uma vez, só que agora em terras totalmente desconhecidas, sem muita perpectiva, sem rádio e sem saber qual a direção da saída mais próxima... quando já tava numas de procurar uma fazenda ou algo parecido p/ passar a noite... esbarrei sem querer num piriri que meu salvou... Depois de uma certa altura, avistei uma estrada de terra boa que mais na frente tinha uma balsa p/ atravessar um rio... se tem balsa, tem bar... tô salvo, pensei!!! Ouvi o rádio chamando e só consegui falar p/ Leo dormir em Barro Alto que no dia seguinte ficava tudo mais fácil ... não ouvi a resposta dele e também não tinha certeza se ele tinha me ouvido. Avistei uma cidade "grande" na beira do asfalto mas de novo fui "gulosão" e joguei mais a esquerda numa fumaça ... se tivesse passado por cima da cidade que seria o mais natural, teria visto o asfalto que ia p/ Hidrolina e aí era só ter calma, enroscar em qualquer zerinho que só na paciência (deriva) chegava! Mas enfim, com a decisão errada que tomei por estar perdido e o com o que eu dispunha no momento, só me restava bater o recorde (que seria por diferença ridícula) e dormir no mato ... dormir no mato ... naaaão ... peraí ... lembrei de tudo que já tinha superado antes, das chances que me deram, do pneu que apareceu borracheiro do além, dum bom banho, comida e cama limpa ... e resolvi não abusar mais da sorte ... encarei o ventão contra e voltei p/ pousar na cidade. Foi uma longa volta ... a asa não penetrava ... aproveitei p/ relaxar e curtir o visual! Mas, foi a melhor coisa que poderia ter feito ... pousei num descampado que era um verdadeiro aeroporto internacional ... do lado de um poste de iluminação e a 60mts de um orelhão!!! Rapidamente descobri que meu celular não funcionava na região (estaria no mato e na lama) e principalmente que estava muito mais próximo de Barro Alto do que imaginava... aliás, até então, eu não tinha a menor idéia de qual caminho o carro deveria seguir... Não consegui contato com o Leo, mas liguei em casa e pedi p/ ficarem tentanto, e também p/ passarem mensagem de texto com o itinerário p/ me achar! Desmontei a asa com toda a calma do mundo (o poste era filé, iluminação total), guardei a asa na casa de uma família que me deu jantar e parti p/ pousada já com tudo resolvido! Fiz uma última tentativa de rádio já totalmente sem esperança ... e caraca ... a resposta veio rápida, alta e clara ... o Leo já estava na cidade... show... o cara é profissional ... (ele já tinha arrumado um lugar p/ dormir em Barro Alto e já tava de banho tomado quando chegou a mensagem de texto... se informou no posto de gasolina e veio rápido!) Pouco mais de meia-noite e já estávamos chegando em Brasília... inacreditável... principalmente pelas circunstâncias!!!"

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